quinta-feira, julho 28, 2011

Contagotas


Eu estava enchendo aquele copo com um contagotas e meu amigo me dizia: "Para com isso, a água vai transbordar". Eu não lhe dei ouvidos, continuei na minha atividade obsessiva. Eu queria poder desafiar, mas desafiar o quê? A logica, eu queria sentir o suspense de cada gota que caia e ocupava um lugarzinho dentro do copo que estava prestes a transbordar. Fiquei com aquele contagotas por algum tempo. Sentado na mesa verde da sala, eu estava a olhar de forma obcecada o copo d'água. Nenhuma coisa ou pessoa podia me distrair. Não vou negar que eu via naquele copo d'água algo mais importante que a propria vida. O copo estava sendo desafiado por mim e ele não queria transbordar, mas eu tinha que testa-lo, para ver até onde ele era capaz. Um amigo meu me disse que em algum momento ele transbordaria, mas se ele tivesse contando com a evaporação? Eu não poderia facilitar para esse copo malandro. Eu também queria saber até onde eu era capaz na minha fascinção por coisas sem grande importancia. Na opinião do meu amigo, essa minha fascinação era idiota. Mas o que ele poderia dizer sobre minha fascinação idiota? Não era ele que tinha ficado apaixonado por dez anos pela mesmo moça na qual nunca quis nada com ele. Cada um com suas fascinações que não levam a lugar nenhum. Comecei a gotejar mais seguido, e em um momento eu parei. Eu sabia que a proxima gota iria fazer esse copo transbordar. O que eu queria provar? Que o copo não tinha nenhuma chance comigo? Nesse momento, eu percebi que eu tinha criado uma relação com esse objeto, que para muitos era somente um mero objeto. Para mim ele era um mero objeto também, mas nos estavamos jogando um jogo cheio de suspense que tinha sentido para mim e para o copo. Eu peguei o copo fui até a cozinha, meu amigo me perguntou o que eu estava fazendo, eu não respondi. Eu despejei todo o conteúdo liquido na pia, depois eu enchi um outro copo e voltei para a mesa com um copo cheio e o outro vazio. Com o meu contagotas eu esvaziava um copo e prenchia o outro. Eu sabia que iria ser um trabalho arduo, e eu seguia as regras do nosso jogo, gota por gota até o limite, pois o mais interessante que transbordar é conseguir chegar ao limite do copo, exigir o maximo que ele pode te oferecer. O meu amigo comneçou a criticar o meu jogo, eu lhe respondi que a sua paixão platônica morava ali perto e que nesse momento ela estava a fazer uma corrida pelos arredores. Isso fez com que ele se despreocupasse com a minha vida e fosse correr atras da sua obsessão. Dito e feito, estava ele a sair do meu apartamento com alguma desculpa esfarrapada: " vou na padaria ver se tem ovo". Foi bom que ele tenha saido, pois o meu jogo iria durar o dia inteiro e não queria nenhuma incomodação.

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